Filosofía

Gramsci e seus contemporâneos – Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos, Sabrina Areco (Organizadores)

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Prefácio
Alvaro Bianchi
Há dez anos teve inicio na Universidade Estadual de Campinas um seminário sobre os Quaderni del carcere, de Antonio Gramsci. O estudo do problema da hegemonia na sociedade brasileira havia me
conduzido à obra de Antonio Gramsci, a qual estudei estimulado pelo mestre e amigo Edmundo Fernandes Dias. Considerava que essa obra tinha um enorme potencial analítico e que poderia ser uma ferramenta importante para compreender a atualidade política. Mas as leituras predominantes me incomodavam e avaliava que elas tiravam muito da força do texto. Organizar um seminário de discussão era, assim, uma tentativa de aprofundar os estudos, mas também de reorientar os estudos gramscianos.
Coordenei, assim, o seminário, o qual reunia jovens pesquisadoras e pesquisadores, em sua maioria estudantes de graduação ou pós-graduação. O plano de estudos era fortemente inspirado na leitura genético-diacrônica, sugerida por Giorgio Baratta (2004), e pelas investigações filológicas promovidas no âmbito da International Gramsci Society-Itália, em particular por Fabio Frosini (2003). Tais leituras e investigaçõe pressupunham assumir como ponto de partida o caráter fragmentário e incompleto da reflexão gramsciana. Esse pressuposto era um potente antídoto contra as leituras fechadas e dogmáticas, as quais procuravam restabelecer a verdade do texto, uma verdade frequentemente definida a priori em alguma instância externa a ele próprio.
Assumir o caráter fragmentário e incompleto dos Quaderni implicava em procurar reestabelecer o ritmo do pensamento de Antonio Gramsci no próprio processo de produção conceitual. Tínhamos em mãos algumas ferramentas que permitiam procedermos dessa maneira: acompanhávamos avidamente as pesquisas mais recentes que estavam ganhando corpo na Itália; possuíamos a edição crítica dos Quaderni, organizada por Valentino Gerratana (GRAMSCI, 1977), a edição mexicana da editora Era (GRAMSCI, 1981ss) e a nova edição brasileira, organizada por Carlos Nelson Coutinho (GRAMSCI, 1999ss); conhecíamos a datação de seus parágrafos levada a cabo por Gianni Francioni (1984); sempre que tínhamos dúvidas podíamos recorrer a Edmundo Fernandes Dias e também contamos com a enorme generosidade de Carlos Nelson Coutinho, o qual embora discordasse em vários pontos de nossa leitura, se dispôs a colaborar conosco. Rapidamente estabelecemos uma rede de relações nacionais e internacionais que permitiu um intenso intercâmbio com outros pesquisadores.
O plano de estudos era bastante simples. Líamos os cadernos em sua completude seguindo uma ordem bastante óbvia. Começamos pela filosofia nos cadernos 10 e 11, passamos à política no caderno 13 e 19 e
finalizamos com a questão dos intelectuais no caderno 12 e do americanismo e fordismo no 22. Para cada caderno havia uma apresentação e um texto introdutório elaborado por um dos participantes, o qual sumariamente indicava os principais temas. A contextualização do caderno estudado no plano geral de estudos de Gramsci era feita com base em Baratta e Frosini e sempre que considerávamos necessário procurávamos comparar a primeira com a segunda versão das notas de Gramsci. As dúvidas eram sempre muitas, a discussão intensa e sempre muito produtiva.
Essa experiência extremamente rica de estudo coletivo revelou rapidamente as dificuldades impostas pelo método de investigação que nos guiava. Ao longo dos Quaderni, Gramsci construía seus argumentos
de maneira dialógica, enfrentando as questões postas pela política e pela cultura italiana da época. Nas páginas que líamos atentamente saltavam nomes estranhos à cultura brasileira. Benedetto Croce era o primeiro deles; mas havia outros, como Antonio Labriola, do qual conhecíamos umas poucas linhas; Giovanni Gentile, que só sabíamos ter promovido uma reforma educacional durante o regime de Mussolini; e ainda um grande número de autores sobre os quais algumas vezes sequer tínhamos ouvido
falar.
Assim, no segundo ano de nossos estudos, nos dedicamos ao pensamento daqueles autores com os quais Gramsci dialogava, ou, ao menos, aqueles que julgávamos ser os mais importantes. De Croce lemos Materialismo storico ed economia marxistica (1927 [1900]), Etica e politica (1994 [1931]) e Cultura e vita morale (1993 [1914]); de Antonio Labriola os Saggi sul materialismo storico (2000); de Sorel as Réflexions sur la violence (1981 [1908]); além de excertos de autores como Vilfredo Pareto, Gaetano Mosca, Achille Loria, Vincenzo Cuoco e outros. Foi a partir desses seminários sobre o pensamento de Antonio Gramsci e suas fontes que escrevi O laboratório de Gramsci (2008), um livro no qual procurava
assentar as bases para uma nova leitura dos Quaderni del cercere no Brasil, na qual essa perspectiva que hoje prefiro chamar de histórico-filológica servia como guia metodológico.
Mas o efeito mais importante desses estudos, creio, foi o desenvolvimento de importantes pesquisas sobre as fontes do pensamento gramsciano. Daquelas leituras e discussões nasceram as investigações de
Luciana Aliaga (2011), sobre Vilfredo Pareto; de Leandro de Oliveira Galastri (2015), a respeito de Georges Sorel; de Renato César Ferreira Fernandes (2014), que estudou Robert Michels; de Daniela Mussi (2014) que se debruçou sobre a estética de Francesco De Sanctis e Benedetto Croce; e Sabrina Areco, a propósito de Albert Mathiez e a historiografia da Revolução Francesa. A tentativa de reconstruir o processo de produção do pensamento de Gramsci, a atenção ao contexto histórico, o cuidado com as fontes e a diversidade dos autores tratados foram características importantes desses estudos, os quais contribuíram, cada um a seu modo, com a renovação dos estudos gramscianos no Brasil.
Este livro, organizado por Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos e Sabrina Areco, foi cuidadosamente planejado como uma continuidade daqueles estudos sobre as fontes do pensamento gramsciano. Ele reúne ensaios de importantes especialistas brasileiros e estrangeiros sobre autores com os quais Antonio Gramsci estabeleceu um intenso diálogo. Não se trata nunca de encontrar o que no pensamento do sardo pertence a outros autores. Muito menos em insistir em uma mitologia da prolépsis, procurando a antecipação ou a origem de ideias e conceitos desenvolvidos nos Quaderni del carcere. Trata-se apenas de reconstruir esses importantes diálogos, procurando compreender como por meio deles novas ideias
foram produzidas. Espera-se, com isso, contribuir para o desenvolvimento das novas gerações de pesquisadores e dar continuidade aquele programa de pesquisa que em 2016 completou dez anos.

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